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Bem-vindos à ilha das gaivotas

Por Jorge Nunes

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09.08.10

Soltam-se amarras no cais de Peniche. Deixa-se para trás o Cabo Carvoeiro e parte-se à descoberta do arquipélago das Berlengas, formado por ilhas misteriosas. Embora a primeira sensação seja de um desolador mundo pedregoso, não faltarão motivos de interesse para deliciar o visitante. Jorge Nunes (texto e fotos) guia-nos pela maior ilha do litoral português, que desde há muito se converteu no reino das gaivotas.


A Berlenga, verdadeiro coração do arquipélago das Berlengas, merece destaque por ser a maior ilha ao longo da costa de Portugal continental. Neste singular ecossistema insular - classificado como Reserva Natural desde 1983 e declarado como Reserva Biogenética do Conselho da Europa - evidencia-se o valioso património vegetal, onde se incluem inúmeras espécies endémicas raras e ameaçadas. Sobressai de igual modo uma abastada avifauna marinha e uma luxuriante fauna subaquática, num maravilhoso mundo submarino que as águas excepcionalmente claras deixam entrever.

Esse reino de Poseidon - onde habitam várias espécies de algas e uma enorme diversidade de animais marinhos (peixes, anémonas, camarões, estrelas, polvos, esponjas, entre muitos outros) -, só está ao alcance dos olhos dos praticantes de mergulho em apneia (mergulho superficial com máscara aquática ou a pequena profundidade sustendo a respiração). Nas águas límpidas das Berlengas, vale a pena colocar a máscara, o tubo respirador e as barbatanas para espreitar esse admirável mundo novo.

Embora o passeio pedestre pela ilha não demore mais de duas a três horas e as viagens marítimas não vão além de cinquenta minutos para cada lado - o que já é um tormento para os estômagos mais nauseados -, os horários das viagens de barco obrigam a disponibilizar um dia inteiro para a aventura. Assim, há meia dúzia de coisas que convém colocar na mochila: chapéu, garrafa de água (não existe água doce na ilha), protector solar, caderno e lápis (para as crianças usarem como diário de viagem), binóculos (para espreitar a passarada), toalha de praia (para a banhoca da praxe), máquina fotográfica - que poderá ser substituída pelo telemóvel com câmara fotográfica - e snacks saudáveis (fruta e barras energéticas, entre outros). Caso não queira maçar-se com a comidinha, poderá abastecer-se na ilha, mais precisamente na esplanada do Castelinho, um dos pousos favoritos para descansar as pernas e apreciar a paisagem. As refeições principais podem ser obtidas no restaurante Mar e Sol (tel.: 262 750 331), onde o menu se faz essencialmente de peixe fresco grelhado e de caldeirada, entre outras especialidades que vale a pena saborear. Para trás deixe tudo o resto que seja realmente desnecessário, pois o peso a transportar é um aspecto determinante para a boa disposição e ligeireza do caminheiro.

Marear até às Berlengas

A adrenalina começa a fluir logo que se deixa o cais de embarque e se pisa o convés da embarcação Cabo Avelar Pessoa, onde o cheiro a maresia deixa adivinhar uma jornada repleta de emoções que se vão intensificando à medida que se desenrola a viagem, de oito milhas náuticas (cerca de 15 quilómetros) entre Peniche e a ilha da Berlenga. O barco bamboleante começa por navegar junto à costa até ao promontório que dá pelo nome de Cabo Carvoeiro, daí em diante prossegue em mar aberto. Os eventuais enjoos, que poderão apoquentar os estômagos mais sensíveis, acabarão por dar tréguas com a chegada ao cais do Carreiro do Mosteiro, localizado na encosta Sul da ilha Velha.

Subindo a íngreme ladeira que conduz ao Bairro dos Pescadores - construído em 1940 para dar abrigo a algumas dezenas de pescadores e respectivas famílias que habitam a ilha durante o Verão -, o corpo poderá dar sinais de fraqueza. Porém, os olhares desconfiados das gaivotas, que chocam os seus ovos nos ninhos junto ao caminho, algumas delas já com os seus pintainhos a passearem-se nas imediações, a agitação do cortejo nupcial das lagartixas e a camuflagem dos coelhos-bravos, que é apenas denunciada quando fogem apressados em direcção às tocas, prendem desde logo a atenção do visitante e dão-lhe alento para a surpreendente caminhada que ainda agora começou.

O tapete verde e arroxeado do coberto vegetal formado por chorões, plantas exóticas infestantes que foram introduzidas na ilha na década de 40 do século XX, empresta um colorido invulgar à paisagem e delicia o olhar, dando um aspecto mais acolhedor às encostas ásperas de granito envelhecido. No entanto, não se pense que nestes isolados ilhéus atlânticos - onde foram inventariadas cerca de uma centena de espécies botânicas de porte herbáceo e arbustivo - existem apenas plantas estrangeiras. Aparecem igualmente endemismos florísticos que, de tão raros, só foram baptizados com nomes em latim: Armeria berlengensis, Pulicaria microcephala, Herniaria berlengiana, Echium rosulatum, Scrophularia sublyrata e Angelica pachycarpa. Para as descobrir e conhecer melhor poderá recorrer aos painéis informativos que surgem junto aos trilhos definidos para os visitantes ou aos folhetos distribuídos pela Reserva Natural das Berlengas. Como algumas dessas plantas só se encontram nesta ilha, não será má ideia perder algum tempo a fotografá-las, com a certeza de que se leva para casa uma imagem única que não poderá ser captada em mais nenhum lugar da Terra.

Os caminhos por onde os visitantes podem percorrer a reserva e explorar os seus encantos estão muito bem assinalados e marcados no terreno pelo pisoteio. Para sua segurança e protecção das espécies bravias, é aconselhável que não se afaste dos percursos indicados, mesmo que seja para captar "aquela" fotografia.

Explorar a ilha Velha

Entretanto, no cimo da íngreme subida, o trilho flecte para a direita, prosseguindo sobranceiro ao punhado de pequenas casas brancas que servem de abrigo à única comunidade piscatória que existe na ilha.

À medida que se vence o declive, começam a apreciar-se os excelentes panoramas tendo sempre como pano de fundo o oceano omnipresente. Em dias de grande luminosidade, quando o olhar se perde cada vez mais longe, avista-se a costa continental desde a Nazaré até ao Cabo da Roca. Aqui mais perto, seguindo com os olhos o Carreiro da Inês e os contornos da ilha para Sudoeste, descobre-se a Fortaleza de São João Baptista, emoldurada pelo ilhéu da Inês, de um lado, e pela Flandres, do outro.

O caminho, que há-de fazer-se por toda a ilha na companhia de milhares de gaivotas-argênteas-de-patas-amarelas, esvoaçando ao redor do visitante com ar ameaçador, dirige-se agora para as Buzinas, no extremo leste da ilha Velha. Mas a fauna terrestre da Berlenga não se fica pelas gaivotas. Aqui também podem observar-se a pardela-de-bico-amarelo, o corvo-marinho-de-crista, o rabirruivo-preto, o falcão-peregrino, o sardão, a lagartixa-de-bocage e o coelho-bravo. Embora sejam animais selvagens, muitos deles habituaram-se à presença humana, pelo que se deixam aproximar e fotografar com facilidade.

Todavia, o destaque da bicharada que habita este arquipélago vai para o airo (adoptado como símbolo da Reserva Natural das Berlengas): uma ave oceânica, que, com a sua cor preta no dorso e branca na zona ventral, cauda curta, asas estreitas e postura erecta faz lembrar um pequeno pinguim. Esta estranha ave encontra-se desde o Norte da Europa até à Península Ibérica, sendo a ilha da Berlenga o limite sul da sua distribuição. Em Portugal, é sobretudo uma espécie invernante, que ocorre ao longo de toda a costa continental portuguesa, principalmente a norte da Figueira da Foz. A melhor temporada para a sua observação é entre Novembro e Março, excepto no arquipélago das Berlengas, onde pode ser vista entre Janeiro e Julho, período que corresponde à sua época de reprodução.

Vestígios com história

Depois de se aproximar das altivas falésias sobranceiras ao ilhéu da Ponta, ilhéu Maldito e outros pequenos ilhéus, pouso frequente de inúmeras aves marinhas, o trilho prossegue pelo planalto. Entretanto, começa a descer até ao Carreiro dos Cações, onde um estrangulamento resultante da erosão marítima separa a ilha Velha da Berlenga. É por aí, de novo a subir, que continuará o passeio.

Apreciado o farol da Berlenga, construído em 1840, e os magníficos cenários que se obtêm do ponto mais alto da ilha, incluindo as Estelas e os distantes Farilhões que, conjuntamente com a Berlenga formam o arquipélago das Berlengas, é chegada a hora de apressar o passo e conquistar o Forte de São João Baptista, construído no reinado de D. João IV e palco de inúmeras batalhas marítimas.

Depois de satisfeita a curiosidade, no lugar mais histórico da ilha, toma-se o caminho de regresso ao Bairro dos Pescadores. Por esta altura só existem três destinos possíveis: o restaurante Mar e Sol, a esplanada do Castelinho ou a praia do Carreiro do Mosteiro, onde se pode estender a toalha e dar uns refrescantes mergulhos.

Terminadas as deambulações terrestres pelos trilhos permitidos, será imperdoável que o viajante abandone a solitária "ilha das gaivotas" sem antes passear de lancha pelas grutas, desvendando-lhes os mistérios e escutando-lhes as muitas estórias e lendas. Ofereça a si próprio e a toda a família um passeio de barco, que lhe permitirá enriquecer o álbum fotográfico e contemplar a ilha com outros olhos.

Se tiver oportunidade de pernoitar na Berlenga - o que só é permitido no Forte de São João Baptista (gerido pela Associação dos Amigos das Berlengas), nos quartos alugados pelo restaurante Mar e Sol ou no Parque de Campismo -, aproveite a luz mágica do entardecer para revisitar alguns dos mais sedutores cenários e assista à chegada das pardelas ao anoitecer. Como facilmente perceberá ao longo da sua estada, há muito que este pedaço de terra já não pertence aos humanos e se tornou na ilha das gaivotas.

Espreitar os arredores

A península de Peniche corresponde a uma antiga ilha hoje ligada ao continente por um pequeno istmo e oferece um sem-número de cenários marítimos deslumbrantes, que podem ser apreciados num agradável passeio de carro, com destaque para a zona de Papoa, o miradouro do Cerco do Cão, a Varanda de Pilatos, o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e o Cabo Carvoeiro, onde se localiza o Farol do Cabo Carvoeiro e a partir do qual se podem vislumbrar as Berlengas e observar a Nau dos Corvos, ilhota rochosa situada junto ao promontório. Embora não faltem locais a visitar nas proximidades de Peniche, como a Atouguia da Baleia, lugar com mais de oito séculos e antigo porto marítimo, e o Baleal, pequena povoação localizada num curioso pontal rochoso, vale a pena fazer-se à estrada, percorrendo pouco mais de 24 quilómetros, para visitar demoradamente uma das sete maravilhas de Portugal, o medieval Castelo de Óbidos, erguido sobre um pequeno monte, outrora à beira-mar. A vila, aconchegada na protecção das suas extensas muralhas, também é imperdível. Nesta antiga urbe vale a pena visitar igualmente o Pelourinho de Óbidos, a Igreja de Santa Maria, onde se encontra o Túmulo de D. João de Noronha, o Moço, a Capela de Nossa Senhora do Carmo, a Capela de São Martinho e o Aqueduto de Usseira.

Como ir

A viagem de barco entre Peniche e a ilha da Berlenga inicia-se na marina de Peniche (antiga Ribeira Velha). Na ilha, o percurso pedestre principia no cais do Carreiro do Mosteiro. Até 15 de Setembro realizam-se viagens diariamente entre Peniche e a Ilha da Berlenga. Contudo, poderão ser modificadas ou canceladas sem aviso prévio, dependendo do estado do mar e das marés (para mais informações contactar Viamar - tel.: 262 785 646).

Onde comer

A gastronomia da região de Peniche é predominantemente dominada pelos pratos de peixe e marisco, de onde sobressaem a sopa rica do mar, o sequinho de cherne, a caldeirada de Peniche, a sardinha assada, a lagosta suada e a sopa de peixe. Igualmente deliciosa é a doçaria local, de que os pastéis de Peniche, os amigos de Peniche e uns biscoitos de amêndoa, chamados "esses", são as principais especialidades.

Restaurante Mar e Sol
Ilha da Berlenga
Tel.: 262 750 331

Restaurante Estelas
Rua Arquitecto Paulino Montez, 21
Peniche
Tel.: 262 782 435

Restaurante Nau dos Corvos
Cabo Carvoeiro
Peniche
Tel.: 962 631 311

Restaurante O Parque
Av. 25 de Abril, Parque do Baluarte
Peniche
Tel.: 262 789 251

Tasca do Joel
Rua do Lapadusso, 73
Peniche
Tel.: 262 782 945

Onde dormir

Pavilhão Mar e Sol
Ilha da Berlenga
Tel.: 262 750 331

Casa Abrigo Forte de S. João Baptista
Ilha da Berlenga
Tel.: 262 785 263

Área de Campismo da Berlenga
Ilha da Berlenga
Tel.: 262 789 571

Albergaria Maciel
Rua José Estêvão, 38
Peniche
Tel.: 262 784 685

Hotel Praia Norte
Av. Monsenhor Bastos
Peniche
Tel.: 262 780 500

Parque Municipal de Campismo
Av. Monsenhor Bastos
Peniche
Tel.: 262 789 696

Peniche Praia Camping
Estrada Marginal Norte
Peniche
Tel.: 262 783 460

Informações úteis

Posto de Turismo de Peniche
Tel.: 262 789 571

Reserva Natural das Berlengas
Peniche
Tel.: 262 787 910

Jorge Nunes (Fugas/Agosto 2010)

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